sexta-feira, 7 de junho de 2013

Resgatando o maculelê



Resgatando o Maculelê
Ah, se os tambores falassem... E quem disse que não falam? Pare, preste atenção: em sua batida hipnótica, ruflam lamentos, festejos e cantos que a história não conta.

Além dessa mensagem subjetiva, que vai depender da sensibilidade de cada um, é importante pesquisarmos cada vez mais o nosso folclore. Isso, para que nã se descaracterize e não se perca, através dos anos e da criatividade excessiva de seus representantes, sua essência e raiz.

O quê? Como? Onde? Por quê?

Há, sobre tudo que se relacione ao maculelê, muitas contradições. Pesquisadores e folcloristas não entraram em acordo quanto às origens, às características, aos vestuários, às formas e, até mesmo, quanto ao vocábulo maculelê.
Acompanhe algumas opiniões:
“(...) até hoje tudo quanto se sabe sobre o maculelê é por ter sido ouvido ou tido por alguém, muito velho, que guardou alguma recordação, quase sempre confusa ou contraditória. Nada há escrito na forma de depoimento sobre como seria dançado o Maculelê nos seus primórdios. Nem mesmo Bulcão Vianna, que muito escreveu no princípio do século sobre as festas de Santo Amaro, fez menção a um folguedo que pudesse ser identificado como Maculelê. Não obstante, depois que o Maculelê se popularizou, lá pelos anos 60, surgiram, como por encanto, muitas lendas sobre a origem do folguedo, lendas reconhecidamente forjadas pelos que têm necessidade de inventar para sobreviver. Quem tem boca diz o que quer – ensina um velho refrão”.
(H. Vianna, Maculelê, A Tarde, Salvador, 1966) (1).

O texto do jornalista Antônio Monteiro (O Maculelê na Arena Folclórica, a Tarde, Salvador, agosto de 1966) revelava as contradições. Segundo a matéria, alguns acreditavam ser o maculelê, assim como a capoeira, uma luta criada pelos escravos para se defenderem dos brancos. Outros diziam que o maculel~e não passava de uma diversão dos negros africanos.
Ao defender a tese de que o maculelê surgiu com os escravos bantos, estudiosos utilizam como importante documento a cantiga “Louvor da Conceição”. Nos versos: “Nós somos pretos da Cabinda de Luanda”...
Em Pequena História do Maculelê, diz Plínio de Almeida: “Convém notar que a cantiga não diz: ‘Nos somos pretos da Cabinda’, mas sim, com o máximo de rigor explicativo: ‘Nós somos pretos da Cabinda de Luanda’. A precisão geográfica da cantiga é marcante, a fim de que não se confunda Cabinda, povoação do Distrito de Luanda, na Província de Angola, perto de Quibala, com a outra Cabinda, território de outra tribo, muito entranhada no sertão africano oriental, na Província de Moçambique, também terra de negros bantos”.
A já citada Hildegardes Vianna, uma das grandes pesquisadoras sobre o assunto, diz acreditar no maculelê, “até se provar o contrário, como um fragmento do cucumbi (dança de característica dramática, em que os negros utilizavam pedaços de madeira roliça), este último variante dos Quilombos, Congos, Congadas e Ticumbis, consistindo e um préstimo com um pequeno enredo e bailados guerreiros, em que o centro de interesse é a luta entre um rei negro e um rei indígena”.
No indispensável Ôlelê Maculelê, Emília Biancardi escreve: “Conta-se até que, quando um escravo queria fugir, uma roda de maculelê era imediatamente formada por seus companheiros, com a finalidade de distrair os feitores e facilitar a evasão, o que bem demonstra a popularidade e a aceitação do folguedo na zona rural (...) Em pesquisa de campo por mim efetuada em Santo Amaro da Purificação, os informantes foram, todavia, unânimes na afirmativa de não ser o folguedo um fragmento do antigo cucumbi, dizendo que ambos existiam na mesma época, havendo o primeiro desaparecido, enquanto o maculelê, embora com numerosas modificações, teria conseguido subsistir. Naquela área, o cucumbi ou cacumbi estaria ligado, segundo os informantes mais idosos, aos festejos de São Cosme e São Damião. O maculelê, por sua vez, está vinculado às festas em louvor a Nossa Senhora da Conceição”. E concluiu: “podemos concluir que o maculelê tem origem africana e que, a exemplo de outras manifestações artísticas do negro, sofreu forte influência local e adaptações culturais no decorrer dos anos. (...) Não obstante sua aparência guerreira, não se pode dizer, entretanto, com absoluta precisão, que se tratava de uma manifestação de revolta dos negros escravos contra os senhores brancos, consoante estimam alguns escritores, nem afirmar, sem margem de erros, que se tratava, apenas, no decorrer dos séculos dezoito e dezenove, de mero folguedo. Acredito, porém que, como tantas outras expressões culturais africanas, o maculelê caracterizava-se, sobretudo, como um divertimento de escravos e seus descendentes, sobressaindo seu aspecto, já acentuado, de dança dramática”.(2)


“A Flô de Jurema”

Conforme alguns pesquisadores, o maculelê, além da incontestável raiz africana, teve também grande influência indígena.
Exemplo disso é a música “A Flô de Jurema”, cantada nas demonstrações maculelê. Segundo Teodoro Sampaio (O Tupi na Geografia Brasileira), “jurema” é uma bebida fermentada feita do suco de vegetal Acácia Jurema, planta de regiões nativas. Se ingerida em grande quantidade, provoca alucinações. Esta bebida é comum nos candomblés de caboclos da Bahia, “que constitui uma variante indígena do candomblé, com forte influência das nações Genge e Angola.” (2)


Popó Ressuscita o Maculelê

“Era Popó que de manhã
Abria a rua no trole aberto
Ele era a rua em tom maior
Trazia o Sol guardava a Lua
Seu assovio desenhava minha rua num traço só...”
(Caetano Veloso)


Maculelê é Dança ou é Luta?
“E eu separo? Maculelê é dança e luta ao mesmo tempo, defesa e ataque misturado ao ritmo nego (...)”
(trecho do livro Maculelê, de Maria Mutti)

Se não fosse por Paulino Aloísio Andrade, mestre Popó, talvez o maculelê tivesse desaparecido definitivamente.
Logo após a abolição da escravatura, as apresentações de maculelê nas festas de fevereiro, em Santo Amaro da Purificação, foram diminuindo até que, por vários anos, deixaram de ser realizadas.
Em entrevista a Maria Mutti, Popó conta como recomeçou o folguedo e fez “o MACULELÊ conhecido na Bahia inteira e, por conseguinte, no Brasil”. Diz ele: “os pretos velhos já tinham muito tempo de morte, do grupo só restou eu, porque era muito moço na época em que eles dançavam. Devia ser 1944 quando resolvi reunir meus filhos, parentes e vizinhos para ensinar o brinquedo (maneira como se referia ao Maculelê). Ensinando a eles, tomei gosto e botei o maculel~e na rua de Sto. Amaro pela primeira vez no dia 2 de fevereiro (dia tradicional para o maculelê, que todo ano sai às ruas ...) e dança no adro da Igreja da Purificação em homenagem à Virgem Santa, que é mãe de todos nós. Daí por diante, o povo gostou e pedia o maculelê na rua. Mesmo quando não tinha timão (roupa) tudo igualzinho, a gente dançava com a roupa do trablaho mesmo”. (3)
Filho de mãe escrava, Popó diz ter aprendido o maculelê entre dez e doze anos de idade, com escravos Malês, “livres, já não tinha mais escravidão nessa época. Eles se reunião à noite, me lembro bem de João Olelá, Tia Jô e Zé do Brinquinho. O ano direitinho não sei, mas sei que foi tempos depois da escravidão, eles já eram livres. Mas quem botou o brinquedo na rua fui eu mesmo”. (3)
No início da década de 40, Popó resolveu ensinar aos amigos e parentes o folguedo. Então, depois de muitos anos, no dia dois de fevereiro, Santo Amaro da Purificação assistiu a uma apresentação de maculelê. O grupo de Popó ficou conhecido como Grupo de Maculelê de Santo Amaro.
“Recomeçou, efetivamente, a partir dessa época, o interesse popular pela dança, quer com a apresentação de Popó nas festas religiosas da cidade, quer com a ida a Santo Amaro de caravanas de turistas e estudiosos para assistirem às apresentações do Grupo santo-amarense, quer com as frequentes exibições do Mestre e seu conjunto em Salvador, a convite dos órgãos municipais ligados ao turismo”.(2).


Indumentária

Conforme pesquisas realizadas em Santo Amaro, a indumentária utilizada por antigos praticantes do maculelê – como Jão de Obá, Zé do Brinquinho, Tia Jô e Barão – era gurita vermelha (touca de ponta), lenço vermelho no pescoço, calça no meio da perna e pés descalços.
Os componentes pintavam o rosto e as partes do corpo que ficavam à mostra. “Dançavam descalços, com os pés pintados com fuligem negra, que se desprende do fundo das panelas usadas nos fogões à lenha, com a qual também eram pintadas as demais partes expostas do corpo. O rosto e a testa eram zebrados com lanhos vermelhos (tinta de semente de urucum pisada), em forma de leque, e os lábios tinham maquilagem exagerada. Alguns figurantes empoavam as cabeleiras encarapinhadas com farinha de trigo”.(2)
As vestimentas variavam de acordo com a situação financeira e a imaginação do grupo. “Muitas apresentações foram feitas com os participantes usando roupas comuns, suadas do trabalho do dia-a-dia”.(3)


Instrumentos

Segundo orientação de Popó, os instrumentos originais para a realização do maculelê são:
Dois ou três tambores (“um para toque de repique e os dois ajudam a dobrar”);
Um agogô;
Um caxixi ou ganzá.
Algumas vezes, também se usavam pandeiros ou violas.


Grimas

As grimas são bastões feitos de madeira que medem entre cinquenta e sessenta centímetros. São usados para simular defesa e ataque e, também, para marcar o ritmo da cantiga. As melhores madeiras para confecção das grimas são biriba, canzi e pitiá. No entanto, Popó ensinava que qualquer madeira que não quebre e produza um bom som pode servir. Segundo seus conselhos, o ideal é que a madeira não seja cortada verde e nem em noite de lua.


Músicas

Em pesquisas realizadas por Emília Biancardi, “no maculelê tradicional, as quadras são tiradas apenas pelo Mestre e repetidas fortemente pelo coro, ao som sempre rijo das pancadas das grimas”. Acompanhe algumas das músicas que compõem a sequência musical:

BOA NOITE PRA QUEM É DE BOA NOITE
“Boa noite pra quem é de boa noite
Bom dia pra quem é de bom dia
A bênção, meu pai, a bênção
Maculelê é o rei das alegrias”.

EU VENHO DE LONGE
Eu venho de longe
Sem conhecer ninguém
Venho colher as rosas
Que na roseira tem.

COMO É SEU NOME
Maculelê
Torna a dizê
Maculelê
Quem não lhe conhece
Maculelê
Venha me conhecê
Maculelê

SOU EU, SOU EU
Sou eu, sou eu, sou eu
Sou eu, maculelê, sou eu
Nóis viemus do Mato Grosso
Somos Açucenas
Das Mata Reá
(...)


Estudiosos do Maculelê

É justo destacar, entre os estudiosos citados nesta matéria, três pesquisadoras de importância inestimável ao nosso folclore. A leitura de seus trabalhos é obrigatória aos que desejam aprender profundamente sobre o maculelê. São elas:

(1) Hildergardes Vianna, professora universitária, folclorista e escritora, desenvolveu grande trabalho sobre a preservação da identidade cultural da Bahia. Diz Emília Biancardi: “Trata-se de pesquisadora que, aliando enorme conhecimento da cultura popular do Estado a um grande amor pela terra natal, desenvolve, sem medir esforços ou sacrifícios, um trabalho sério e criterioso no sentido da divulgação e conservação das tradições que integram a vida das populações baianas”.
Obra: Folclore Brasileiro, Bahia. Rio de Janeiro, MEC/FUNART, 1981. Além de textos escritos em sua coluna no jornal A Tarde, de Salvador.

(2) Emília Biancardi foi professora do Instituto de Educação Isaías Alves. A seu respeito, Hildergades Vianna considera:
“Em lugar das convencionais aulas de teoria e cânticos orgeônicos, ela orientava seus alunos para a pesquisa das manifestações lúdicas de Salvador. Nunca foi uma repetidora do que os outros tivessem dito. Procurou sempre, o quanto possível, aproximar-se da verdade, tarefa um tanto difícil numa cidade como Salvador, que despontava como pólo turístico. Fundou com os alunos um grupo, verdadeiro laboratório de danças, que mais tarde evoluiria para VivaBahia, famoso conjunto parafolclórico com atuação internacional”.
Obra: ôlelê, maculelê – Bahia, 1989

(3) maria Mutti, além de professora e pesquisadora, foi também diretora do Grupo Folclórico Oxalá. Publicado em 78, seu trabalho, intitulado Maculelê, é baseado na entrevista realizada com Popó e seu filho Vavá. Maculelê emociona porque imortalizou as lembranças e opiniões do grande Popó, conservando até sua maneira simples de falar.
Obra: Maculelê, Bahia, 1978

Nenhum comentário: